quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Do templo ao túnel

Fevereiro, primeiro dia do ano no Vietname. Apresento-me de manhã cedo nos escritórios da agência TheSinhTourist - um verdadeiro império turístico por estas paragens - pronta a dar uso ao meu pacote combinado de visita aos Túneis Cu Chi e ao Grande Templo Cao Dai. Ambos podem ser feitos num confortável dia de passeio a partir de Ho Chi Min.

A primeira surpresa do dia, ainda estacionados junto aos escritórios da agência, é uma nota de dez dong que o guia nos entrega, aconchegada num pequeno envelope vermelho. Trata-se do tradicional li xi ou tien mung tuoi, o dinheiro da sorte que é costume oferecer-se durante o Tet, em especial às crianças, como forma de começar bem o ano. Começar bem o ano, aliás, é uma das grandes preocupações das famílias nesta altura. Por isso se adornam casas, se saldam dívidas, se envergam roupas a estrear, se disseminam desejos bem intencionados entre familiares e amigos. Por isso, também, as famílias escolhem criteriosamente as primeiras pessoas que entrarão no seu lar. Tudo contribui, acreditam os vietnamitas, para influenciar a sua felicidade no ano vindouro.

Com os meus dez dong no bolso, desejosa de (pela segunda vez) começar o ano da melhor maneira, rumo com o guia e demais companheiros de tour em direcção a uma oficina de pintura lacada, onde fazemos uma paragem breve para descobrirmos esta arte tradicional do Vietname e sermos tentados a comprar toda a sorte de objectos decorativos que se empilham em carreiras infindáveis num armazém de proporções faraónicas. O truque é conhecido e amplamente usado por aqui: nos tours vendidos por muitas agências, as pausas para petiscar e usar a casa de banho fazem-se por norma nestas lojas + cafetaria + casa de banho, nas quais, para se servirem das duas segundas valências, os turistas têm necessariamente de atravessar longas salas dedicadas à primeira. A pausa, em vez dos dez minutos que seriam necessários, dura vinte ou meia hora. Mas, verdade seja dita, ninguém obriga ninguém a nada. O tempo livre pode perfeitamente ser passado a deambular pelo espaço, sem uma única vez puxar da carteira.

É o que faço, passando em revista a oficina, com as suas mesas repletas de copos com lacre, tintas e cascas de ovo quebradas com que, em dias de trabalho, atarefados artesãos compõem diferentes padrões, dos mais geométricos aos mais figurativos.

Na oficina de pintura lacada
Cascas de ovo são um dos principais "ingredientes"
nesta técnica decorativa

*
Observada a pausa da praxe, estamos prontos a dar início ao primeiro segmento do tour propriamente dito. Seguimos, pois, para o Templo Cao Dai, um enorme complexo para o qual parecem dirigir-se todos os passos das redondezas. Explica o guia: o Caodaísmo é uma religião sincrética fundada em 1926 na província de Tay Ninh, no sul do Vietname, com o objectivo de reunir toda a humanidade em torno de uma visão comum do Ser Supremo, evitando a discórdia e promovendo a boa-vontade e a paz entre os Homens. O Caodaísmo acredita que todas as religiões são caminhos diferentes voltados para um mesmo Deus e por isso procurou incorporar no seu culto os princípios de várias religiões pré-existentes. Cao Dai, expressão que designa o Ser Supremo e que se encontra traduzida noutras línguas através de expressões como "Torre Alta", "Palácio Alto" ou "Morada Alta", pretende justamente transmitir uma ideia de neutralidade na definição do Ser Supremo. O seu principal centro religioso, o Grande Templo ou Santa Sé Cao Dai, foi construído entre 1933 e 1955 na cidade de Tay Ninh, capital da província homónima e situada a cerca de cem quilómetros Ho Chi Minh.

É onde estamos hoje. Enquanto nos aproximamos da entrada, para uma visita em que o ponto alto será assistir a parte de uma das cerimónias religiosas do dia, o guia garante-nos que as fotografias são perfeitamente toleradas. E fotografar é exactamente o que apetece fazer, uma vez penetrado o coração deste recinto arquitectónica e cromaticamente peculiar.

A toda a volta a sala vibra de amarelos, azuis e rosas pujantes; dragões abraçam colunas alinhadas em corredor de uma ponta à outra da sala; no tecto um perfeito rebanho de nuvens saltita entre estrelas brilhantes; as janelas são adornadas por flores e feixes que convergem num centro comum -- o olho esquerdo, mais próximo do coração, que representa o Ser Supremo; no altar principal agiganta-se uma órbita terrestre com o olho divino desenhado e, na parede por cima, há estatuetas de Jesus Cristo, Buda, Confúcio e Lao Tsé; num pequeno átrio já fora da sala principal há um mural ilustrando três dos vários santos desta religião, escrevendo: Sun-Yat-Sen, Trang Trinh e Victor Hugo (sim, o escritor francês!), este último compondo as palavras "Deus e Humanidade, Amor e Justiça".

À nossa volta agita-se um mar de túnicas brancas, cor das vestes utilizadas pelos seguidores desta religião. Só aos padres estão reservadas as vestes amarelas (simbolizando o budismo), vermelhas (o confucionismo) e azuis (o taoismo). As mesmas cores estão representadas na bandeira do Caodaísmo, juntamente com o olho esquerdo.

Enquanto os visitantes se vão reunindo em duas varandas compridas, com acesso a partir do primeiro andar e vista desafogada sobre a sala que compõe a área principal do templo, lá em baixo iniciam-se os preparativos para a cerimónia. Como se da preparação de uma parada militar se tratasse, alguns dos fieis vestidos de branco organizam os restantes em grupos e depois em fileiras, assegurando-se de que os espaços entre uns e outros são idênticos e que cada um está no seu devido lugar.

Por fim a cerimónia tem início, com a entrada dos monges num arco-íris em linha recta. Seguem-se música, cânticos, vénias e ritos incompreensíveis para forasteiros como nós, mas por isso mesmo tanto mais fascinantes. Entre o público aninhado nos varandins, disparam-se máquinas e murmura-se.

Altar principal, com a órbita, o olho divino e as
estatuetas de Buda, Confúcio, Lao Tsé e Cristo

Fiéis em oração
Entrada dos padres
Cerimónia no Templo Cao Dai
*

Avanço com esforço, ligeiramente ansiosa e profusamente suada. O espaço reduzido, o ar rarefeito e a luz velada reforçam em mim uns quaisquer laivos de claustrofobia que até hoje nunca desconfiara possuir. Neste preciso momento, o meu maior desejo é regressar à posição vertical e açambarcar umas boas golfadas de ar fresco para benefício exclusivo dos meus pulmões. Por fim, depois de mais uns avanços de cócoras, o desejo é-me concedido. Regressamos à superfície.

Estamos no distrito de Cu Chi, a noroeste de Ho Chi Minh, e aqui é debaixo do solo que o relato da história do Vietname prossegue. Agachada, acabei de percorrer uma ínfima porção da extensa rede de túneis subterrâneos que as forças do Viet Cong utilizaram para combater as tropas americanas e sul-vietnamitas, compensando em inventividade o que lhes faltava em equipamento. O início das escavações remonta ainda aos tempos da Primeira Guerra da Indochina, contra os franceses, altura em que os túneis começaram a ser construídos como forma segura de viajar entre aldeias e de armazenar mantimentos e munições. Mas foi mais tarde, contra os americanos, que os túneis Cu Chi vieram a ganhar a sua expressão máxima. O trabalho prosseguiu muitas vezes com as próprias mãos de quem os escavava e a rede alcançou um comprimento impressionante, acima dos 200 km, e três níveis de profundidade, vários metros abaixo do solo. Os túneis funcionavam como entreposto militar para as guerrilhas, permitindo efectuar ataques surpresa e fugas rápidas. Mas em altura de ataques aéreos intensos neles vieram a albergar-se aldeias inteiras, incluindo hospitais, zonas de habitação, fábricas, entre outros espaços necessários à vida do dia-a-dia.

Por muito claustrofóbica que tenha sido a minha curta viagem no seu interior, não se compara com o que terá sido a realidade de quem aqui viveu há umas décadas: os túneis que acabámos de percorrer foram entretanto alargados e iluminados para receberem turistas como eu. Na época em que estiveram activos, só rastejando de barriga no chão, tacteando no escuro no meio da lama e bicharada vária, poderíamos ter feito este trajecto.

Reconhecendo a sua importância estratégica, várias tentativas foram feitas de destruir os túneis ou de decifrar a sua estrutura interna, nomeadamente através de bombardeamentos e de oficiais conhecidos como "ratos de túnel", que se introduziam na rede subterrânea em busca de informação sobre a sua dimensão e sobre o modo como era utilizada. Era uma operação bastante delicada, uma vez que os túneis se encontravam pesadamente armadilhados.

Após a guerra, o Governo vietnamita decidiu preservar os túneis no âmbito de um parque dedicado à memória da guerra, que é hoje uma importante atracção turística da zona.

O guia conduz-nos pelo recinto, revelando-nos toda uma vida invisível ao observador medianamente desatento: as exíguas e dissimuladas entradas para os túneis; o sistema de armadilhas ocultas em alçapões, onde, uma vez caídos, os soldados americanos sofriam mutilações horríveis e, por vezes, a morte; ou os respiradouros em forma de formigueiro cuja função era deixar entrar ar para os túneis e, simultaneamente, escoar fumos gerados com a preparação de alimentos. Aqui e ali, objectos preservados e esculturas em tamanho real ilustram cenas da vida de todos os dias nos túneis.

Antes de deixarmos o parque, somos informados que existe ainda a possibilidade de uma passagem por um campo de tiro, onde, mediante pagamento adicional, poderemos disparar armas de diferentes modelos, como as AK-47, por exemplo. Ouvi falar de um visitante que gastou cem dólares para o fazer, ao preço médio de um dólar por bala. Para mim, é demasiado disparo junto e, depois de visitar os túneis e conhecer a sua história, seguramente a última coisa que me apetece fazer.

O que o Templo Cao Dai tem de hino à capacidade humana de comunhão e entendimento os Túneis Cu Chi têm de recordação do lado mais negro da história humana e dos horrores da guerra. Mas à sua maneira, são, também, um exemplo de engenho e resistência em condições muito adversas. Como tantas outras nesta região do mundo, esta não é uma visita da qual se saia ileso ou indiferente, pelo menos para quem tentar fazer dentro de si o esforço de viajar no tempo, imaginando quão diferente a sua vida teria sido naqueles túneis.

Uma entrada, habitualmente dissimulada, para os túneis
Armadilhas simples mas eficazes

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Tet em Ho Chi Minh - parte III

Para lá do Tet, Ho Chi Minh oferece ao visitante suficientes pontos de interesse para uns dias de visita agradáveis (e digo isto confessando desde já a minha preferência por Hanoi).

Entre outros passeios e actividades, decido arriscar a compra de um bilhete para o conhecido teatro de marionetas de água, um espectáculo a que tinha torcido o nariz durante a minha passagem por Hanoi mas que depois de alguma leitura sobre o assunto me despertara curiosidade ao chegar a Ho Chi Minh. Mais a mais, sentia saudades do conforto instantâneo que uma sala de espectáculos traz à alma, daquela magia de uma cortina vermelha e de um palco rodeado de sussurrares iniciais e palmas finais.

Não me arrependi. Este tipo de teatro, com raízes que remontam ao séc. XI, apresenta-nos quadros da vida, cultura e tradições vietnamitas por intermédio de marionetas de madeira lacada que deslizam sobre a água de uma pequena piscina, operadas por marionetistas escondidos atrás de uma cortina com água pela cintura, ao som de diálogos e música produzidos por actores que se encontram nas zonas laterais. Não é preciso perceber o conteúdo concreto das falas em vietnamita para se rir com gosto durante as apresentações. Por toda a sala, crianças e adultos de todas as nacionalidades fazem-no do início ao fim do espectáculo, premiando os artistas com um caloroso aplauso final. Sem dúvida, um fim de tarde bem passado.

Artistas responsáveis pelos diálogos, coro e banda sonora
As marionetas deslizando alegremente sobre a água
Os heróis da festa recebem um aplauso merecido
 
*

Durante a minha estadia na cidade visitei também alguns pontos de interesse turístico como o Palácio da Reunificação, onde os primeiros tanques comunistas entraram e um soldado hasteou a bandeira do Viet Cong no dia 30 de Abril de 1975; o pagode do Imperador de Jade, pitoresco talvez, mas por experiência própria desaconselhado a amigos dos animais que dispensem ver tartarugas atravancadas às dezenas em tanques mínimos; a Basílica de Notre Dame; a Ópera.

Entrada do Palácio da Reunificação
Interior do Palácio, no caso uma das áreas mais
interessantes da exposição: a cave e equipamento
 de telecomunicações
Pagode do Imperador de Jade
Ópera
Basílica Notre Dame de Saigão
 Mas em Ho Chi Minh, como um pouco por todo o Sudeste Ásiático, uma das atracções turísticas mais interessantes é mesmo a mais barata e fácil de alcançar: deambular pelas ruas sem mapa, absorvendo avidamente tudo o que de singular e interessante se atravessa no nosso caminho.

Um galo passeando-se no meio da cidade
Cerimónias e bênçãos de Ano Novo
Um gesto comum entre amigos próximos e familiares
Provavelmente, o melhor snack do mundo: crepes
frescos recheados com camarão, massa, vegetais,
e ervas aromáticas e acompanhado com molho de
amendoim picante
E sim, ver as montras também é turismo, mesmo que não tencionem comprar este mundo e o outro a preços de amigo. Para mim, parte da verdadeira diversão está em descortinar as diferenças culturais que os produtos à venda e os arranjos de montra revelam, as forma como marcas internacionalmente conhecidas se adaptam à realidade local e a utilizam como chamariz. Porque o Paris chic ganha outro sabor quando se converte em Ho Chi Minh chic.

A cultura motorizada do Vietname em destaque
na montra Dior

Tet em Ho Chi Minh - parte II

Para além de cor, o Tet acrescenta também música e movimento à movida da cidade. No Parque 23/9, tropeço num palco largo mas adornado de modo simples, onde jovens de várias idades fazem desfilar apresentações musicais, atraindo um vai-e-vem de público misturado de locais e visitantes.

Instrumentos típicos do Vietname: um đàn nhị talvez?
Danças tradicionais

*

Mas se falamos de festividades e enfeites, para além de múltiplos mercados de flores e espectáculos como os do Parque 23/9, dois outros corações urbanos batem mais forte durante o Tet: a rua Nguyen Hue, invadida por arranjos florais dedicados ao tema "Cidade de Ho Chi Minh - A cidade que eu amo", e o Parque Tao Dan.

Chego a este último relativamente por acaso, quando regresso ao hostel depois de um dia de passeio, aventurando-me em secções desconhecidas do mapa. Obrigada a avançar pela berma da estrada para escapar a largas áreas fechadas a peões e reservada para estacionamento, cedo me apercebo de que, na verdade, estou a caminhar pelo perímetro exterior de um recinto festivo. A música alta e ritmada escapule-se por cima dos muros que separam interior e exterior da festa e perto de uma entrada desenhada em arco, uma cabeça humana espreita pela janela de um balcão de venda de bilhetes. Não percebo nenhum dos escritos que me rodeia, seja o cartaz dos preços, seja o grande letreiro sobre a entrada onde se lê a frase para mim incompreensível: Hội Hoa Xuân / Thành phố Hồ Chí Minh / Giáp Ngọ 2014 (mais tarde o Google ensinar-me-á que se trata de um letreiro anunciando "Festival de Flores de Primavera / Cidade de Ho Chi Minh / Ano do Cavalo 2014").

Seja como for, percebo o suficiente para saber que se ali há festa, é ali que eu quero estar. Nessa noite, regresso ao local. Transpondo o grande arco adornado por flores amarelas, entro num jardim enorme, onde a noite se iluminou como se invadida por um exército de pirilampos, e sou teleportada para um mundo mágico.

Diferentes espaços foram organizados no parque, cada qual dando o seu melhor para atrair os visitantes: aqui exibe-se uma variedade impressionante de plantas ornamentais, ali de pássaros, noutro lado ensina-se a arte de esculpir vegetais e frutos, lá ao fundo aquários gigantes apresentam peixes raros, e um pouco por toda a parte espectáculos musicais, danças e jogos tradicionais enchem o ar de frenesim. Comes e bebes não podiam faltar, com os seus odores característicos.

Avanço pelo espaço atordoada, o meu olhar cata-vento rodando em todas as direcções. Dou-me conta da escassez de turistas e da abundância de locais, por vezes ligeiramente curiosos quanto à minha presença, mas na sua maioria indiferentes, dedicados de alma e coração a celebrar e gozar a vida.

Descobrindo o local da festa
Primeiras impressões
O ano do cavalo, um animal que simboliza
ritmo e entusiasmo
A expressão máxima da máxima popular
"os olhos também comem"
Um castelo escondido entre flores, num raro
momento sem avalanches humanas ao seu redor
Peixes nunca vistos. Até fico na dúvida:
nascerão mesmo assim?
Uma abundância de nenúfares


Mas a coroa de glória do Tet só é revelada na noite de 31 para 1: a noite do grande fogo de artifício. Sentindo-me sem coragem para enfrentar a multidão que, umas horas antes do evento, começou a rumar em direcção ao rio Saigão, onde o espectáculo tem lugar, escolho aproveitar o último andar do hostel e a sua promessa de vistas magnificamente desafogadas com lugar de luxo para assistir ao grande acontecimento. 

O espaço - um bar a todo o vapor - vai-se enchendo até à capacidade limite de turistas ansiosos pelo momento de fazer disparar a máquina fotográfica. Durante a espera partilham-se jogos de cartas e snooker, bebidas, dois dedos de conversa e uma proximidade física invulgar, feita de corpos crescentemente comprimidos uns contra os outros à medida que a hora se aproxima. Bem instalada no meu banco de pé alto na "primeira fila", apoio a máquina e vou tirando fotos à noite iluminada pelos edifícios e candeeiros de rua.

Por fim, a meia noite chega. O bar explode em alegria colectiva e enquanto se ouvem brindes de "Feliz Ano Novo outra vez!", o fogo de artifício começa. Assim que os primeiros foguetes se lançam sobre o céu nocturno, a primeira reacção é de desalento: à distância, a silhueta escura e alta de um prédio impede uma vista integral do arco-íris que explode infindável na escuridão. Mas com o passar dos minutos, a cada clique da máquina fotográfica, com o crescer das explosões e da luz que jorra rumo ao altíssimo, já pouco parece importar. Mesmo que com vista parcial, o espectáculo é inegavelmente magnífico, em cada um dos seus gloriosos quinze minutos.



Tet em Ho Chi Minh - parte I

With many thanks to D., for making me feel so welcome in this big city

Depois de três dias na paz das terras altas centrais, Ho Chi Minh atinge-me com o furor das grandes cidades. A maior metrópole do Vietname, que alberga cerca de sete milhões e meio de habitantes num espaço urbano onde modernidade e tradição se casam bem ao jeito asiático, saúda a minha chegada nocturna com um coro de vozes e uma amálgama de corpos precipitando-se rua acima rua abaixo, sob a luz potente de mil e um estabelecimentos comerciais. Mas a hora não é para visitas: o corpo cansado da estrada exige repouso. De mochila grande atrás e mochila pequena à frente - a típica "formação" backpacker - parto em busca de uma cama na grande cidade, aquela a que muitos, por hábito, preferência estética, marketing turístico ou inclinação política, ainda chamam Saigão.

Na primeira manhã acordo com o escuro a tornar-se alvorada. Desço do hostel para a rua, deixando guiar os meus passos pelo instinto, seguindo os sinais tímidos da vida que desponta no parque público em frente. Acabo por desaguar num vasto espaço comum, aplainado com cimento e apetrechado com longas redes, onde desportistas madrugadores enchem o ar de movimento, bolas de voley e raquetes de badminton. Num pátio mais pequeno, um trio dança com energia. Pelas ruas laterais corre-se. Também aqui, no meio de grandes edifícios e betão armado, a Ásia se levanta cedo para cuidar do corpo e do espírito.

Desportistas da alvorada

*

Cheguei à cidade nas vésperas do Tet Nguyen Dan, ou Tet para os amigos, o ano novo lunar que o Vietname observa, com fervor e tradição, no primeiro dia do primeiro mês do seu calendário. O dia exacto varia de ano para ano entre o fim de Janeiro e o início de Fevereiro. As celebrações, essas, podem estender-se até uma semana. A data coincide com a do Ano Novo chinês e, tal como sucede na China, embora a uma escala menor, nas semanas que antecedem o Tet todo país se ocupa a embelezar casas e ruas e uma deslocação maciça translada milhares de vietnamitas das suas residências habituais para casa das família, frequentemente situadas em zonas mais rurais.

Justamente por isso, hesitei na decisão de visitar Ho Chi Minh durante o período festivo. O entusiasmo inicial com a ideia de assitir a uma celebração tão autenticamente vietnamita foi-se esboroando face a múltiplas advertências como "Ho Chi Minh é uma cidade-fantasma no Tet" ou "é impossível uma estrangeira sem amigos vietnamitas com quem passar o dia fazer parte de uma tradição que é, na essência, familiar."

Ora, o único verdadeiro contacto que eu tenho na cidade é a D., amiga de um amigo de Portugal, que com extrema simpatia me convidou para um jantar de boas-vindas, mas que deixará a cidade pouco depois, rumo à casa familiar.

Imaginei-me a passar uns dias aborrecidos e isolados e, pior, do lado de fora do verdadeiro espírito do Tet. Quase mudei de ideias e saí do Vietname mais cedo. Por fim, a curiosidade e o cansaço acumulado venceram e eu decidi permanecer no Vietname para as festividades, rumando depois a Phnom Penh, no Camboja, por via terrestre.

*

Deambulo pelo distrito um, onde estou alojada, e percebo logo que foi a decisão certa. A alvorada deu lugar a uma manhã de sol e o parque em frente ao hostel, que se estende por uns bons quinze minutos de passeio a pé, encheu-se de flores. Um mar amarelo salpicado de rosa afoga-me a vista por uns momentos, mas mais adiante recua para dar lugar a outras cores e feitios. Como os eternos pinheiros estão para o Natal, assim certas flores e árvores estão para o Tet: as flores do pessegueiro, as flores da ochna interregima e as árvores de kumquat, um tipo de citrino tradicional desta zona do mundo. Mas muitas outras espécies vão desfilando por esta passarela urbana arborizada e florida onde me encontro. Nós, a pequena multidão de passantes vindos de todo o mundo, tiramos fotografias e evitamos à última da hora colisões frontais com outros corpos igualmente distraídos e maravilhados pelo espectáculo natural humanamente arquitectado.

Um exército de amarelo marcha pela cidade fora
Os impecáveis penteados das árvores de kumquat

*


Como venho a perceber mais tarde, é no distrito um que gira o epicentro backpacker de Ho Chi Minh, mais precisamente na rua Pham Ngu Lao, que muitos têm comparado à afamada e infame Khao San Road de Banguecoque. Agências de viagens, agências de transportes, hostels, restaurantes baratos, bares aberto até às horas mais tardias da madrugada, tudo isto e mais converge e se acotovela neste lugar. E é ensanduichado entre a rua Pham Ngu Lao e a rua Le Lai que se encontra o Parque 23/9 (Vinte e Três de Setembro), onde os meus passos me trouxeram esta manhã.

Caminhando até à ponta Este do seu tapete ajardinado chega-se ao famoso mercado Ben Thanh. Uma atracção turística que sabe bem que o é, este mercado situado no centro da cidade oferece um pouco de tudo, desde comes e bebes, a têxteis, a fruta e legumes, a frutos secos e especiarias, a joelharia, a bugigangas e souvenirs, e muito mais, tudo a preços um pouco menos módicos que o habitual. No tecto, em moda invulgar, placas alertam o turista para que aqui não há que regatear: os preços são fixos. Mesmo assim, há quem tente a sorte.

A secção de roupa feminina
Fruta e legumes polidos e alinhados na perfeição

*

Pela minha parte, depois de uns quantos cliques discretos - sinto-me sempre incómoda ao apontar ostensivamente a câmara a narizes desconhecidos - rumo a parte incerta em busca do almoço. E depois de muitas voltas e indecisões a providência entende finalmente manifestar-se sob a forma de um dos meus adorados restaurantezinhos de passeio, com duas ou três mesas apenas e uma multidão de gente local apinhando-se frente aos tabuleiros de comida. Nham nham!

A minha primeira refeição bem sucedida em Ho
Chi Minh

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Um regresso imprevisto

Queridos leitores,
 
Por doença de um familiar tive de regressar a Portugal de urgência e por cá ficarei por tempo ainda indeterminado.
 
No entretanto a viagem ficará suspensa, mas na medida do possível tentarei dar alguma continuidade às publicações aqui no blogue.
 
Muito obrigada a todos pela vossa presença ao longo destes meses.
 
Um abraço,
 
Adriana

terça-feira, 3 de junho de 2014

Três dias em duas rodas - parte IV

A caminho da "piscina" no meu Éden privativo. É
verdade, eu nadei ali, naquele verde imenso,
acolhedor e muito, mas muito silencioso.
Esta senhora, carregada ao pescoço, bate
qualquer exercício de levantamento de
pesos e halteres
Jantar partilhado com o J., depois de cumprido
o trajecto do dia e a caminho de uma
noite descansada numa pensão local
Num dia perfeito de sol e ar puro, fazendo
caminho por estradas aos esses
O fruto do cacau: só um sabe a pouco...
e dois ou três provavelmente também!
Nunca tinha visto o fruto do cajú. E se estão
a perguntar-se onde está o dito, é preciso
separarem aquele acrescento em forma de rim
que está no topo e abri-lo. Agora pensem,
quantos frutos serão necessários para encher
um daqueles saquinhos de cajú que se compram
no supermercado?!
Numa fábrica de pauzinhos. Que estava encerrada,
por causa do aproximar do Tet

*

Aqui fica este cheirinho de como foi. Escolher o que incluir e o que deixar de fora neste post foi bem difícil! Na verdade, muito mais havia para mostrar e contar, porque as terras altas do centro do Vietname são assim, belas e fotogénicas. Resta-me a esperança de vos ter aguçado suficientemente o apetite para quererem descobir o resto ao vivo e a cores.

Três dias em duas rodas - parte III

Vida de aldeia entre uma das minorias
do Vietname
Olhares doces e tímidos, sem ousarem
aproximar-se, estas três meninas (irmãs?) ainda
assim aceitaram tirar uma breve fotografia
Casas flutuantes onde muitos pescadores
da região passam os seus dias
Pôr-do-sol sobre os arrozais
Casa tradicional vietnamita, construída sobre
estacas, o que permite defendê-la de inundações e
vermes, bem como fazer da parte inferior armazém,
abrigo para os animais ou espaço de trabalho
Um momento daqueles
Vidas dedicada aos arrozais, da plantação
à colheita, do verde ao amarelo ao castanho,
de sol a sol