Aproximo-me do restaurante semi-deserto. Após algumas buscas, consigo quem me sirva um pequeno-almoço de torradas, frutas e chá. Começo a refeição sozinha, no silêncio absoluto, mas pouco a pouco os bancos de madeira vão recebendo novos ocupantes e dentro de nada a vida canta a plenos pulmões.
Depois do pequeno-almoço, o nosso guia faz-se anunciar, reúne as tropas e começa a distribuir as primeiras instruções e as capas anti-sanguessuga. É hoje, por fim, o dia planeado ainda em Lisboa. Daqui partiremos à desfilada, na parte de trás de uma carrinha, com o vento a limpar-nos os restos de sono da cara e a rota apontada ao nosso destino final: Khao Yai.
Situado a cerca de 180 km de Banguecoque, este parque nacional tailandês alberga uma interessante variedade de fauna e flora, justificando assim a sua classificação como património mundial pela UNESCO, enquanto parte integrante do complexo florestal Dong Phayayen - Khao Yai, que se prolonga para lá da fronteira com o Camboja. Aos viajantes é interdito aventurarem-se no interior da floresta e mesmo nos percuros autorizados, é exigido que se façam acompanhar por um guia.
O nosso é dos melhores. Com uma simpatia simples, que não esbanja mesuras, e um conhecimento feito de muitas e muitas horas a trilhar estes caminhos, vai-nos levando para os recantos onde adivinha estar a bicharada.
Durante o dia de passeio, alternando entre percursos de carro e caminhadas por entre as árvores, vamo-nos deparando com caras familiares e desconhecidas. Aqui um amigo macaco, ali um esquivo gibão, mais adiante um hornbill com o seu bater de asas magnífico, formigueiros que se erguem em altura, árvores milenares, formigas de corpo graúdo e determinação evidente, aranhas e as suas teias palacianas, e tantas outras maravilhas que testemunhamos enquanto avançamos pelo parque dentro.
Sinto no coração destemido a euforia de uma pequena aventura, a qual se vê ocasionalmente moderada por algumas doses de realidade, como quando o nosso guia decide alertar-nos para os perigos da febre da carraça, animal aparentemente abundante nestas florestas. Num automatismo colectivo, as mulheres do grupo levam as mãos aos cabelos, buscando possíveis inquilinos indesejados.
Todo o dia esperamos em vão o grande encontro com os elefantes. Nada é garantido no que toca a avistar bichos no seu habitat natural, por isso com o cair da tarde vamo-nos fazendo tristemente à ideia de que as cartas não nos reservaram tal privilégio. Eis que o telemóvel do nosso guia toca e partimos a todo o vapor. Sem mais palavras, sabemos que veio o alerta esperado: elefantes à vista!
Num incrível golpe de sorte, temos não um, não dois, mas três encontros imediatos de terceiro grau com elefantes, e se bem que por razões de segurança não nos seja permitido sair do carro, a proximidade é inegável. Entre a excitação de conseguir mais um minuto de vídeo e o cuidado para não irritar o objecto da nossa atenção, terminamos o dia num ponto alto.
Regressados à pensão, com caras felizes e corpos cansados, espera-nos um banho bem fresco, longe de ideal nesta zona de temperaturas baixas, mas indispensável para demover eventuais carraça ou sanguessugas dos seus propósitos maléficos. Eu, que gosto dos meus banhos com água pronta a cozer camarões, e que todo o dia jurei que banho ali nem pensar, entro com um gritinho contido na água gelada. E é nisto que, por entre tremeliques e arrepios, sinto um calorzinho inesperado chegar-me ao coração. O calorzinho orgulhoso de quem acabou de conquistar mais um pequeno desafio.
Fotografia tirada pelo guia |
Fotografia tirada pelo guia |
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