Savannakhet é uma cidade sonolenta plantada no sul do Laos, à beira do Mekong. Tão sonolenta que uma pessoa quase adormece ao deambular pelas suas avenidas semi-desertas, passeando entre uma infinitude de pequenos estabelecimentos multi-funções e dúzias de cães que vegetam ao sol, à espera da melhor oportunidade para nos virem perseguir os calcanhares.
Não se tarda muito a encontrar uma certa circularidade na lógica desta lugar. Passado o primeiro templo, é como se se tivessem visto todos. Dobrada a primeira esquina, ficou esgotado o potencial de surpresa de cada rua. A primeira e a última banca vendem as mesmas pilhas de baguetes tostadas e os mesmos cachos redondos de bananas curtas ainda por amadurecer. Exagero, é certo, mas talvez não tanto quanto possam pensar.
A qualidade redentora é a extrema simpatia de quem cá vive. Mas nem os seus sorrisos francos, nem as suas interpelações cordiais, nem mesmo as suas amabilidades frequentes conseguem desmentir a nostalgia que se descola de cada centímetro da cidade e do seu silêncio omnipresente.
Em completa justiça, nem tudo é culpa de Savannakhet. Acredito que para qualquer outro viajante possa parecer um pequeno oásis de sossego onde passar uns dias tranquilos a caminho do sul mais profundo ou um bom ponto departida para uns dis de trekking na região circundante. Mas para mim, que não venho pelo trekking, que estou na iminência de celebrar um Ano Novo e que acabo de dizer adeus a onze dias festivos passados na melhor das companhias, a cidade tem o sabor triste de um anti-clímax.
Cheguei aqui no autocarro das cinco da manhã, depois da viagem de todas as atribulações, mesmo a tempo de ir bater à porta da pousada e fazer emergir do quarto do rés-do-chão o dono, estremunhado. Sem check-in nem outras diligências, foi-me passada uma chave para a mão, convertendo-me em dona e senhora de um quarto modesto, húmido e alcatifado da pior maneira.
Nessa manhã, passei quase uma hora a caminho do Consulado do Vietname, que não havia jeitos de encontrar. Fazendo prova da amabilidade local, um senhor idoso a quem tinha perguntado pelo caminho veio ao meu encontro numa carrinha de porta aberta e ofereceu-se para me depositar no local certo. Já sei o que se diz de conversas e boleias com estranhos, mas às vezes o coração sente, antes de o cérebro dizer que não, que está entre boa gente. E assim fomos, por um ou dois minutos, trocando umas palavras em francês, que só a geração mais velha do Laos ainda recorda.
No Consulado a conversa foi outra. Uma simpatia, também, mas pouquíssimo inglês e nada de francês ou outro idioma perceptível em que pudessemos comunicar. Após muitos esforço, consegui descortinar a informação de que o visto demoraria três dias.
Arrepanhei cabelos e chiei interiormente. Três dias ali pareciam-me mais do que a minha saúde mental podia suportar naquele momento, sobretudo porque um desses dias seria a passagem de ano. Mas a verdade é que viera ali quase de propósito para obter o visto, porque me tinham dito que o serviço era melhor que na Embaixada em Vientiane.
Depois de uns segundos de entrega à auto-crítica feroz por ter contrariado o meu instinto - que seria ter tratado deste assunto o quanto antes quando estivera em Vientiane - decidi que a melhor solução era tentar passar o ano em Pakse, pequena cidade onde supunha que, ainda assim, houvesse mais animação e hipótese de conhecer gente. E, depois do meu périplo pelo sul do Laos, regressaria à capital, para tratar do visto e daí partir para Hanoi. De certo modo fazia sentido, até, porque eu queria começar pelo norte do Vietname e o autocarro entre Vientiane e Hanoi parecia mais eficiente em termos de tempo que qualquer outra solução de transportes terrestre mais a sul.
Reconfortada com este reformular do problema, passei o resto do dia em passeio sem destino certo, almocei numa pequena pérola de restaurante vegtariano que decobir e terminei a tarde na zona ribeirinha, sentada num pequeno miradouro sobre o rio, bebendo uma Beerlao e vendo a luz do sol fazer das suas travessuras sobre as águas.
Na manhã seguinte, bem cedo, tomei assento no autocarro para Pakse, onde passaria o ano antes de seguir para Si Phan Don, as quatro mil ilhas. E ainda bem que o fiz, pois em Pakse esperava-me o inesperado. Mas isso é assunto para outro post!